EUA e Europa dão visto especial a investidores que, depois, podem ganhar nacionalidade
Polêmico mercado começa a atrair a atenção de brasileiros endinheirados
SÃO PAULO E RIO - Seis anos após a crise de 2008, cruzar fronteiras se tornou uma tarefa mais árdua para imigrantes pobres. Os ricos, porém, são bem-vindos. Pressionados pela necessidade de capital para estimular suas economias, países em dificuldade passaram a “vender” a estrangeiros autorizações de residência em seu território e, em alguns casos, a própria cidadania. No mapa da Europa, multiplicam-se as modalidades de vistos especiais para investidores em países como Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia, Malta, entre outros. Nos Estados Unidos, um programa criado na década de 1990, sem maior alarde, registra aumento significativo no número de interessados, principalmente chineses.
O polêmico mercado — que, na avaliação de críticos, transforma a cidadania em um bem comercializável — começa, aos poucos, a atrair a atenção de brasileiros endinheirados, em busca de vida nova no exterior ou dos benefícios de um passaporte europeu ou americano.
Em Portugal, 39 brasileiros já receberam autorização especial de residência, com investimentos de € 37 milhões, a maioria deles no mercado imobiliário. O Brasil é a terceira nacionalidade em número de autorizações, atrás de China e Rússia, e a segunda em capital transferido, segundo dados do Consulado Geral de Portugal em São Paulo.
Com o programa criado em outubro de 2012, Portugal já recebeu € 842 milhões em investimentos. Para obter a autorização, é necessário comprar um imóvel de ao menos € 500 mil (R$ 1,5 milhão, equivalente ao preço médio de um apartamento de três quartos em Botafogo, Zona Sul do Rio) ou investir € 1 milhão (R$ 3 milhões) no mercado financeiro ou abrir um negócio que gere a contratação de ao menos dez funcionários. Após cinco anos, é possível solicitar uma autorização permanente de residência e, a partir do sexto ano, a cidadania. Não é preciso nem mesmo morar de fato no país. No primeiro ano de residência, basta comprovar estadia de sete dias. O benefício pode ser estendido ao marido ou esposa e aos filhos, em determinadas condições, após o pagamento de uma taxa.
Portugal: após 6 anos, cidadão europeu
Segundo Pedro Osório Cordeiro, gerente da imobiliária portuguesa House & Home, a maioria dos mais de 1.100 chineses que receberam autorização de residência comprou imóveis e, em seguida, os colocou para alugar. Já os brasileiros escolhem propriedades no Centro de Lisboa ou em condomínios de Cascais para usar como segunda casa ou para férias. É o caso de um cliente paulista que pediu para não ser identificado. Desiludido com o Brasil, comprou um imóvel de 200 metros quadrados em Cascais. A meta é deixar de lado a preocupação com segurança — no Brasil, ele circula em carro blindado — e dividir o tempo entre São Paulo e Lisboa. Um dos pontos decisivos para escolher o investimento foi o passaporte europeu. Com o programa, é possível circular munido só de um cartão de identificação no chamado espaço Schengen, que abrange 25 países europeus.
— Muitos desses esquemas exigem que ao menos parte do investimento seja feito em imóveis. Isso representa uma tentativa de reanimar mercados imobiliários fortemente atingidos pela crise. Em outros países, como Chipre, o investimento pode incluir depósitos num banco local. Essas instituições estiveram perto de quebrar há pouco tempo. Para mim, esses esquemas podem ser vistos como uma pequena parte, embora de valor simbólico significativo, de uma tentativa mais ampla de reanimar um modelo econômico que sob muitos aspectos fracassou — afirma Owen Parker, professor do Departamento de Política da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, que prepara um livro sobre os programas de visto para investidores.
Mas mesmo com um benefício à economia local, a proliferação desse tipo de programa na Europa não é isenta de polêmica. Em Malta, a cidadania era concedida logo após a realização do investimento. Após críticas da vice-presidente da Comissão Europeia, Viviane Reding, que fez um discurso intitulado “A cidadania não pode ser posta à venda” no Parlamento Europeu, em janeiro, a legislação foi alterada e, agora, determina que o interessado precisa mostrar vínculos com o país. É preciso esperar um ano antes de pedir cidadania, embora não seja necessário morar no país durante os 365 dias.
Jelena Dzankic, pesquisadora do Instituto Universitário Europeu, na Itália, ressalta que as regras de cada país para conceder vistos a investidores refletem a extensão dos danos causados pela crise em cada economia. Embora cada membro da União Europeia tenha o direito de determinar suas regras de cidadania, a distribuição de vistos sem exigências de integração com a comunidade, como o aprendizado do idioma local ou um prazo mínimo de moradia, mais comum em países periféricos, muda as regras do jogo.
— Os passaportes desses países se tornaram mais valiosos em virtude de sua associação com a cidadania europeia. Já a cidadania, que significa mais do que um passaporte, foi desvalorizada — diz Jelena.
Nos EUA, o programa de vistos E-B5 abre um caminho para quem quer obter a autorização permanente para morar e trabalhar, mais conhecido como Green Card, ou até mesmo a cidadania americana. É necessária uma aplicação mínima de US$ 500 mil (R$ 1,12 milhão) na abertura de um negócio ou num empreendimento em curso em áreas de taxa elevada de desemprego, que resultem na criação de ao menos dez postos de trabalho. Segundo dados do Departamento de Serviços de Imigração e Cidadania dos EUA, desde 2009, 97 brasileiros obtiveram o visto. Os investidores têm direito a um visto de moradia e trabalho, por dois anos, e que após esse prazo pode ser transformado em autorização permanente. Em cinco anos, já é possível dar entrada ao pedido de cidadania.
Segundo Renata Castro, consultora da Exclusive Visas, que dá suporte a investidores que buscam um segundo passaporte, nos últimos anos mudou o perfil dos interessados brasileiros:
— De três anos para cá, aumentou a procura de pessoas de classe média alta. Na maior parte dos casos, vítima ou com medo de sofrer violência — afirmou, lembrando que antes a demanda estava restrita a milionários.
Muitos já chegam ao país planejando oportunidades de trabalho. Foi o caso da pedagoga Katia Franhani. Ela e o marido decidiram, no ano passado, conquistar o E-B5. Venderam o apartamento em Perdizes, Zona Oeste da capital paulista, e usaram todas as economias para investir no sonho americano, que inclui, além do Green Card, uma casa num condomínio em Winter Garden, cidade ao lado de Orlando. É lá que o casal espera que os filhos de 7 e 14 anos tenham acesso a uma melhor educação. Na empreitada, ela também convenceu os pais a realizarem o mesmo investimento — a ampliação de um hospital no estado do Alabama.
— Não vamos ter que lidar tão cotidianamente com a falta de segurança que sentíamos em São Paulo — disse a pedagoga, que planeja abrir um negócio na área de saúde ou educação para atender os brasileiros que vivem na região.
Quem já esteve em situação parecida foi o empresário Flávio Augusto da Silva, ex-dono da Wise Up e que, entre 2009 e 2012, morou nos EUA com a mulher e optou pelo visto EB-5. Na época, o investimento foi feito em uma estação de esqui no estado de Vermont:
— Queria ir para os EUA com visto de residência, mas num primeiro momento fui só para morar. Só depois comecei a abrir unidades da Wise Up por lá.
Brasileiros miram educação dos filhos
De investidor em um EB-5, Silva pode ficar em breve na outra ponta. No ano passado, após vender a escola de inglês para a Abril Educação, comprou um time de futebol, o Orlando City — equipe que é dona do passe do jogador brasileiro Kaká. O desafio é construir um estádio de 25 mil lugares para o time, obra avaliada em US$ 110 milhões. Parte será bancada pelo governo da Flórida e outra, por investidores privados (sendo ele mesmo um deles). Silva não descarta que parte dos recursos venha de investidores em busca do EB-5.
Roger Bernstein, advogado americano especializado em imigração, diz que os chineses dominam os pedidos por visto de permanência nos Estados Unidos. Foram mais de 6 mil emissões para chineses de um total de 8.543 vistos desse tipo concedidos no ano passado. Entre os brasileiros, um dos pontos de destaque é o interesse em colocar os filhos em universidades americanas. Como residentes permanentes, o valor das mensalidades cai:
— O Brasil está entre os três países do continente que mais solicitam esse tipo de visto, atrás de México e Venezuela.
O vice-presidente da Westchester Financial Group, Octavio Cardoso, afirma que um projeto deste tipo requer folga no orçamento, já que o dinheiro investido terá baixo rendimento, não pode ser sacado antes do prazo e há o risco de não recuperar todo o montante investido:
— Recomendamos que a família tenha ao menos US$ 2 milhões de patrimônio.
Outro empecilho é o lado fiscal. Segundo ele, muitos desistem quando descobrem que a incidência de impostos pode ser grande. Isso acontece quando a pessoa opta por deixar parte do patrimônio ou renda no Brasil e outra parcela nos Estados Unidos. Quando isso ocorre, há risco de bitributação, já que o governo americano não aceita fazer compensação de certas taxas.
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